Com a paralisação dos servidores federais, a regulamentação do direito de greve do funcionalismo entrou na pauta do Congresso Nacional. Pressionado pela opinião pública, o Senado decidiu mostrar vontade política em atacar um vácuo político existente desde a Constituição de 1988. A saída foi acolher, e dar prioridade, ao PLS 710/11 (Projeto de Lei do Senado) do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). No entanto, há uma outra proposta, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que tramita na casa há mais tempo e é menos restritiva aos direitos dos trabalhadores do que o projeto de Nunes.
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Para o senador gaúcho “não há lógica” em priorizar o PLS 710/11, que não passou em mais de uma comissão do Senado, enquanto a sua proposta tramita há mais tempo na casa. Além do mais “não há como ter um projeto que proíba o direito de greve, mas sim um que realmente garanta o exercício deste direito político”, afirma. Paim é autor do projeto mais antigo do Congresso voltado para regulamentação do direito de greve do funcionalismo. Apresentado em 1991, quando ele ainda era deputado federal, jamais foi votado pela Câmara. Em 2007, quando já era senador, propôs o PLS 84/2007. O projeto de Aloysio Nunes é de 2011.
Para o advogado trabalhista e membro da Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo, Thiago Barison, há diferenças cruciais entre as duas propostas. Segundo o especialista, o PLS de Paim está de acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a qual estabelece o princípio da negociação coletiva entre trabalhadores públicos e os governos pois “materializaria o espírito e objetivos democráticos” da Convenção 151. “[O projeto de Paim] propõe que o Congresso sancione apenas um tipo de atividade como "essencial" e por isso regulamentada quanto à greve: a atividade ligada à saúde pública. Em todas as outras, o servidor público é tratado como trabalhador, ou seja, com direito de greve”, afirma Barison.
Violação da lógica democrática
Já a proposta apresentada pelo senador Nunes prevê, entre outros pontos, a suspensão do pagamento da remuneração dos dias não trabalhados, além de proibir a contagem dos dias trabalhados como tempo de serviço. Também define quais atividades do serviço público seriam essenciais e, por isso, proibidas de entrar em greve. Entre as áreas incluídas por Nunes estão, por exemplo, segurança pública, defesa civil, saúde, necropsia, produção de gás e combustíveis, telecomunicações, serviços judiciários e diplomáticos.
Para Barison, a proposta apresentada pelo senador tucano “viola a lógica democrática do direito de greve inscrito no art. 9° da Constituição de 1988. Este dispositivo diz que pertence aos trabalhadores a decisão sobre a oportunidade e os sobre os interesses a servem defendidos na greve. Ignorando isto, Aloysio Nunes propõe em seu projeto de lei que a greve somente seria "lícita" depois de esgotadas tentativas de composição direta ou por métodos como a arbitragem, a mediação”. Segundo Barison, o direito de greve é uma liberdade civil e política e o projeto de Nunes ajudaria a restringir estas garantias.
“Ainda, em outro dispositivo, limita ao Estado pagar os dias parados em apenas 30%. Trata-se de uma restrição à livre negociação coletiva. Na economia privada, os trabalhadores podem pôr na pauta de reivindicações para o término da greve o pagamento dos dias parados (e, regra geral, obtém sucesso). Mas na injusta discriminação proposta pelo Senador Aloysio Nunes, os trabalhadores do Estado não têm essa possibilidade”, conclui Barison.
Segundo o jurista, a necessidade de votar com urgência a regulamentação do direito de greve do funcionalismo público tem relação direta com “interesses econômicos ligados a uma concepção de Estado "mínimo" no tocante aos direitos sociais e serviços públicos.” Ele ainda afirma “que isto tem por objetivo robustecer o Estado em outras áreas, como a acumulação financeira e as subvenções a seletos setores da economia. Não bastaria apenas privatizar e reduzir serviços públicos. Também, para estes interesses, impõe-se quebrar a qualidade através da depreciação remuneratória do capital humano que faz o serviço público acontecer”.
O próprio Aloysio Nunes, ao solicitar que o seu projeto de lei fosse votado no esforço concentrado, declarou temer que passada “a onda [das greves no serviço público], tudo entre na rotina e tenhamos mais 24 anos pela frente” e o tema fosse novamente para a gaveta do Senado.
Na opinião de Barison, dificilmente o Senado aprovaria hoje o projeto apresentado pelo senador Paim em 2007. “Isto demandaria pressão popular, mobilização dos trabalhadores e de todos aqueles que defendem uma sociedade mais democrática também no plano das relações de trabalho. Para esses setores, parece-me que o momento é de tomar consciência, organizar-se, difundir essa concepção e ir retomando as mobilizações. Inicialmente para defender-se de projetos como o de Aloysio Nunes”, afirma.
Outras propostas
O Governo Federal já anunciou que também deve apresentar uma proposta de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos. O senador Paim acredita que a proposta do governo não deve se aproximar da proposta de Nunes. Além disso, a movimentação do Executivo ajudaria "a colocar o debate junto a sociedade e não ser levado a toque de caixa pelo Senado."
No começo de setembro a CDH (Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa) do Senado realizou audiência pública com as entidades sindicais ligadas ao funcionalismo público. O senador Aloysio Nunes foi convidado, porém em nota disse não poder comparecer a audiência por ter recebido o convite muito em cima da hora, 5 dias antes da data em que a CDH se reunião para debater a matéria do direito de greve com os sindicalistas.
Vale informar que não é a primeira vez que o governo tenta regulamentar o direito de greve do funcionalismo público. Em 2009, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão apresentou uma proposta de regulamentação, porém o debate não foi a frente naquele ano.
Com a entrada do governo no debate, organizando uma terceira proposta sobre a matéria, a discussão deve se estender ao longo do semestre com audiências públicas entre entidades sindicais do funcionalismo público, poder legislativo e executivo.
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