Na Luta pela Escola Pública

Este blog pretende criar um espaço para informações e discussões sobre Escola Pública na Região dos Lagos, com destaque para o município de Cabo Frio.

O nome “Pó de Giz” é tomado, por empréstimo, do antigo time de futebol dos professores do Colégio Municipal Rui Barbosa. Um colégio reconhecido por sua luta pela educação pública de qualidade. Um lugar onde fervilha a discussão educacional, política e social. Colégio que contribui de maneira significativa na formação de seus alunos, lugar onde se trabalha com o sentido do coletivo.

O " Pó de Giz" é uma singela homenagem a essa escola que tem um "pequeno" espaço educacional, mas corajoso e enorme lugar de formação cidadã.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Ensino Religioso Laico - existe?

Recentemente, Matheus Maestri David, aluno do curso de Ciências da Religião da Universidade de São José, conduziu, sob orientação do Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira, uma pesquisa para compreender o posicionamento dos "sem-religião" quanto ao Ensino Religioso nas escolas públicas. Para isso, o pesquisador se propôs a entrevistar membros da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), da qual faço parte. O resultado da pesquisa, bem a grosso modo, revela que mesmo entre os denominados "sem-religião" (que já somam 7,5% da população brasileira), não há um consenso quanto ao tema, ainda que haja uma forte tendência de oposição, como seria de se esperar (85% dos entrevistados se declaram contrários ao Ensino Religioso, o que não significa, porém, uniformidade de pensamento, já que os motivos dessa oposição são bem diversos).
Faço parte dos 15% que apoiam o Ensino Religioso, mas essa afirmação merece uma série de ressalvas. Em primeiro lugar, o texto original da LDB (de 1996), em seu artigo 33, representou um retrocesso em relação à Constituição Federal de 1988, porque entregava a responsabilidade pelo Ensino Religioso às autoridades eclesiásticas e porque "rezava" que o dito ensino seria oferecido "sem ônus para os cofres públicos". Dessa maneira, e deixando aberta a possibilidade para um ensino "confessional ou interconfessional", quem decidia seu caráter era quem arcava com os custos, ou seja, as instituições religiosas. Isso significava abrir um espaço para o proselitismo numa instituição pública, em franca contradição com o princípio constitucional que veda ao poder público subvencionar cultos religiosos (art. 19). O texto, felizmente, foi substancialmente alterado já no ano seguinte pela Lei 9.475/97 (foi a primeira alteração que ele sofreu). A exigência de não onerar os cofres públicos desapareceu, e foi "assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil" e "vedadas quaisquer formas de proselitismo". Essa já me parece uma ideia mais interessante, desde que fosse conduzida por profissionais isentos e imparciais, estudiosos da religião enquanto fenômeno cultural, professores laicos com formação em filosofia, sociologia ou história, pois só assim seria possível afastar a possibilidade de proselitismo. Nada disso, claro, é suficiente para assegurar que o professor da dita disciplina não vá dar destaque à sua crença pessoal, mas penso que mais grave que isso é a falta de um currículo com conteúdos bem estabelecidos e voltados para a pluralidade religiosa e ao respeito à diversidade e à liberdade de pensamento. O Conselho de Direitos Humanos da ONU criticou o Brasil, no ano passado, por permitir o Ensino Religioso nas escolas públicas, e pediu para que o material utilizado fosse analisado por especialistas.
O tema é delicado, e é preciso cuidado para não cairmos no equívoco estadunidense de transformar a escola pública num templo do criacionismo (lembrando que a terceira colocada nas nossas últimas eleições presidenciais, com número expressivo de votos, defendia o ensino do criacionismo nas escolas quando ainda era ministra do Meio Ambiente...). Nada contra a que se debata o criacionismo e o design inteligente na escola, desde que isso seja feito do ponto de vista científico, dentro das aulas apropriadas para isso, e não no âmbito do Ensino Religioso.
Que fique bem entendido: defendo um Ensino Religioso que se atenha estritamente ao estudo da história das instituições e das ideias religiosas, que abarcasse o maior número possível de religiões, centrado essencialmente na defesa da tolerância religiosa, e livre de qualquer espécie de dogmatismo ou de proselitismo (mesmo ateu, é claro, embora haja boas razões para supor que esse tipo de ensino tenderia a conduzir ao ateísmo ou ao agnosticismo, posições filosóficas mais condizentes com o pensamento científico. Até porque, comoescreveu Issac Asimov, "a Bíblia, quando lida apropriadamente, é a força mais potente para o ateísmo já concebida"...). Um "Ensino Religioso laico", se é que isso possa efetivamente existir (já discutimos isso aqui), deveria ter o mesmo impacto que uma Educação Sexual voltada para a tolerância com as diversas orientações sexuais (o que é bem diferente de "seduzir" os alunos para uma ou outra "opção", como os detratores desse tipo de ensino insistem em entendê-lo). Por isso penso que um grande passo em direção a um Ensino Religioso como proponho esteja na elaboração de materiais didáticos de qualidade e, evidentemente, pautados pelos princípios éticos e didáticos a que me referi.
Recentemente tomei conhecimento de um que merece ser citado. Embora não trate de história das religiões, aborda os diferentes posicionamentos possíveis diante da ideia da existência de deus (partindo do monoteísmo e do politeísmo, passando pelo deísmo, pelo panteísmo, pelo agnosticismo, pelo ateísmo, e chegando até as diversas formas de misoteísmo). Em uma linguagem simples, os temas são desenvolvidos ao longo de uma narrativa em poucos capítulos, bem no estilo O Mundo de Sofia ou A Viagem de Théo(esse sim que abarca a história das religiões, e pode ser outro grande trunfo do professor de Ensino Religioso). Falo do livro O Deus de Cada Pessoa, de Sadat Gonçalves, que pode ser lido integralmente no portal da editora Bookess, e baixado por apenas R$ 2,00. Fica aí a dica para quem quiser se dedicar a essa nobre missão de abrir algumas mentes.

A propósito, é conveniente lembrar que aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) uma Proposta de Emenda Constitucional que dá direito às associações religiosas de propor ações de inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade de leis ou atos normativos. APEC 099/2011, de autoria de João Campos (PSDB-GO) é outra agressão fundamentalista ao Estado Laico. Convido os leitores a aderirem aoabaixo-assinado contra a PEC em questão.

Replicado do Blog Sala do Professor

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