Na Luta pela Escola Pública

Este blog pretende criar um espaço para informações e discussões sobre Escola Pública na Região dos Lagos, com destaque para o município de Cabo Frio.

O nome “Pó de Giz” é tomado, por empréstimo, do antigo time de futebol dos professores do Colégio Municipal Rui Barbosa. Um colégio reconhecido por sua luta pela educação pública de qualidade. Um lugar onde fervilha a discussão educacional, política e social. Colégio que contribui de maneira significativa na formação de seus alunos, lugar onde se trabalha com o sentido do coletivo.

O " Pó de Giz" é uma singela homenagem a essa escola que tem um "pequeno" espaço educacional, mas corajoso e enorme lugar de formação cidadã.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Carta da Profª Glauce sobre o fechamento do Mater Coeli


O bicho, meu Deus, era um homem.

A indignação não surge da falta de razão. Surge da incompreensão, da dúvida. Ninguém aqui quer ser revolucionário na conotação de “baderneiro”. Não sou “baderneira”, não tenho tempo para isso e não quero ser. Sou apenas mais um dos que não compreendem. “A matemática é simples”, já me disseram a respeito de nossa situação. Sim, ela é simples, mas há outras situações ao entorno da “matemática” que não são tão simples assim. Se a “matemática” é simples, as contas já foram feitas há muito tempo. E por que não se tentou um consenso? Por que não houve voz para um conselho da comunidade escolar? O Conselho de Economia (Financeiro, ou “sei lá”) fez contas? Que bom! Pelo menos, fez alguma coisa. Parece-me que o tal Conselho, meu chefe a mim não apresentado, só resolveu trabalhar quando houve a intenção de se fechar a escola. Nunca esse meu chefe, o dono da chave, me convocou para uma reunião a fim de me apresentar a difícil situação e dizer para mim: REAJA! LUTE! Nunca. Não conheço nem a fisionomia desse chefe. Aliás, se eu soubesse que meu chefe era assim, tão diferente dos valores pregados na escola, na minha religião, eu não estaria aqui. Só trabalho para as causas nas quais acredito. E não acredito nessa maneira de governar. Um chefe que não conhece sua instituição, seus funcionários, seus alunos, não deveria governar e decidir. Tanto os “donos da ordem” não conheciam sua Instituição que escolheram um péssimo ano para encerrar as atividades no Mater Coeli. Talvez, se tal atitude tivesse sido tomada há alguns anos, e neste ponto me refiro ao segmento do Ensino Médio no qual leciono, não estaríamos aqui. Teríamos sido passivos, pois não havia tanta união como há hoje. Que família linda que resolveu se unir.

Ah, meu caro chefe desconhecido, se o senhor tivesse tempo de caminhar por essa escola e conhecer cada um de nossos alunos, tenho certeza de que o senhor estaria do nosso lado torcendo para que um milagre aconteça. Aliás, tenho certeza de que o Senhor, meu caro chefe até hoje desconhecido, proveria esse milagre para cada um de nós. Gostaria que o senhor nos amasse. Sei que não nos ama, pois só amamos aquilo e aqueles que conhecemos e o senhor não nos conhece.

Rapidamente, ilustrarei aquilo que sinto hoje com um testemunho. No início deste ano, sofri um naufrágio com uma escuna em Angra dos Reis. A escuna, com 80 passageiros, bateu em uma rocha submersa e naufragou. Havia muitas criancinhas e isso me desesperou. Não gosto de ver criancinhas sofrendo. Mas, a escuna naufragou lentamente. Estávamos todos sem coletes salva-vidas, mas o tempo foi suficiente. Todos conseguimos pôr os coletes, inclusive as crianças, e pulamos no mar. A tristeza foi imensa, o desespero. Mas HOUVE TEMPO.

Por isso, hoje, pergunto: por que não nos avisaram? Por que não nos preveniram? Talvez houvesse tempo de colocar os coletes nas criancinhas e em nós. Talvez, hoje, as lágrimas seriam apenas de saudade e não de indignação, de incompletude: NÃO FIZEMOS TUDO O QUE DEVERÍAMOS FAZER! Você, senhor meu chefe, fez realmente tudo o que poderia fazer? Você, senhor meu chefe, deixou que eu fizesse tudo o que eu poderia fazer? Desculpa, mas NÃO!
E, hoje, como católica, agradeço a Deus por depositar minha fé NELE e ter o dom (hoje eu sei que é um dom) de não deixar minha decepção nos homens afetar minha religião. Se eu não tivesse esse dom, meu caro chefe, talvez hoje eu não seria mais católica, porque a decepção foi grande. Vejo um descaso com meus alunos e com os outros da Escola. Isso me fere. Hoje é a nossa certeza de que não fomos amados e nunca fomos queridos. Sei que muitos reclamam por, há mais dez anos, terem carregado tijolos, cimentos e se sentiram traídos, pois o que não era para ser uma escola se transformou no INSTITUTO CATÓLICO DE EDUCAÇÃO E CULTURA MATER COELI. Até onde sei, esses que construíram esse espaço passaram por uma situação semelhante à nossa. Não foram avisados que aquilo que construíram com tanto afinco havia se transformado em uma escola. Entendo o sofrimento. Sinto o mesmo agora. Mas gostaria que pensássemos. O sofrimento inicial refere-se a tijolos e cimentos carregados para a construção de um Centro Pastoral. O sofrimento atual refere-se a seres humanos; a crianças e adolescentes que se sentem prejudicados em sua formação. Nossos tijolos para a construção de um futuro melhor não são feitos de barro. São de carne e estão com o coração ferido. Talvez um desejo material esteja se sobrepondo ao mais importante: à vida, à formação. Estou aqui porque sei que Deus está comigo, porque reina a paz em meu coração. Não luto por mim, luto pelos meus. É triste e dolorido, ao final da aula, uma aluna vir me falar com lágrimas nos olhos e me pedir: “Não quero sair da Escola, professora!”. É lamentável deixar a escola assistindo a um grupo de 6 alunos pequeninos, com seis, sete anos, todos em torno de uma cartolina, implorando “Não feche nossa Escola”. Estou perplexa. Hoje, faço companhia a um grande poeta, Manuel Bandeira, que há muito tempo escreveu o poema “O Bicho”. Uno meu coração a esse grande poeta e só me resta exclamar depois de questionar quem pode gostar tanto de maltratar o outro e só me resta uma conclusão: “O bicho, meu Deus, era um homem!”



Texto escrito por Glauce Terra de Souza.

Biografia:

Uma professora que até o dia 21 de outubro de 2011 acreditava na Educação. Mas sofreu uma grande decepção, pois descobriu que há grandes interesses no mundo, só não há interesse em educar. Sentiu-se só. Desejou ser qualquer outra coisa que não fosse professora. Descobriu que não adianta amar seu emprego, porque, na verdade, interessa se aquele que tem mais poder que ela ama educação. Mas quem tem mais poder não ama. E a história termina. A biografia termina. Termina a biografia daquela que ainda sonhava e havia se entregado a uma proposta necessária para uma sociedade melhor. Agora, outra biografia será escrita. Não se sabe ainda o que será. O que deixará de ser. Ponto final.

7 comentários:

  1. Cara Denise,

    Me perdoe,mas isso tudo que li acima demonstra a perfeita alienação e ignorância das pessoas,e o que é pior, de duas educadoras que deveriam lutar a favor de uma proposta educacional libertadora e transformadora de mentes. E isso com certeza não se faz dentro de uma escola privada, que serve aos interesses da classe burguesa e seus malévolos intentos.Que feche. Dane-se! Lamento pela professora Glauce, que até hoje não se atentou para sua condição de proletária explorada.Menos uma escola para promover a desigualdade e enriquecer mais ainda o império católico jesuítico. E quanto aos alunos, não chorem meninas! Eles irão migrar para uma escola com Santo mais forte!!!!
    Sugestão de leitura: "Pedagogia do Oprimido" - Paulo Freire; "Aparelhos Ideológicos de Estado" Louis Althusser; "Cadernos do Cárcere" Gramsci.

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  2. Não vi ninguém chorando pelo fechamento das escolas públicas da EJA no Rio de Janeiro. Não vi ninguém chorando pelo desfecho da greve da rede estadual. Não vi ninguém chorando pela péssima qualidade da educação pública. Não vi ninguém chorando quando formamos alunos do ensino médio analfabetos funcionais.
    Sugestão: Se a proposta dessa escola é tão humanista, transfiram os alunos para a rede pública estadual, talvez assim, alguém comece a dar importância ao ensino público. E para finalizar, deixo o refrão da música: "Homem primata, capitalismo selvagem..."

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  3. Agradeço a sugestão de leitura, Paulo Freire é sempre uma excelente leitura, mas devo dizer que não pertenço ao rol dos alienados.
    Conheço a leitura indicada e milito a favor da educação libertadora. Aliás, como não assinou o comentário, não sei se nos encontramos nas inúmeras vezes que estive junto da luta em defesa da escola pública, e te digo não são muitos aqueles que o fazem.Minha atuação junto aos meus/minhas alun@s não é alienante.
    Quanto ao "dane-se" e ao " que feche" não posso concordar com seu descaso. Não é a escola privada que nos impede de lutar pela escola pública de qualidade, aliás muito simplista sua lógica.

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  4. Eu vi pessoas chorando pela escola pública, pelas turmas do EJA, pelas escolas fechadas de forma cruel.
    Eu vi professores utilizando todos os espaços para a defesa Plano de Carreiras.
    Eu vi pessoas contra a política da meritocracia imposta por Cabral.
    Eu vi pessoas lutando, pessoas na rua, pessoas acampadas na última greve.
    Eu vi pessoas lotando as assembleias na última greve do estado.
    Não eram muitas, é verdade. Mas vi pessoas que acreditam que é importante fazer sua parte.
    Eu estava lá.
    Onde vc estava?

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  5. Cara Denise,

    Novamente afirmo que considero sua postura alienada. As escolas privadas servem aos interesses da classe dominante e á burguesia. Não existe meio termo. Essas instituições sobrevivem da desgraça e do sucateamento da educação pública. Sugiro que pesquise sobre o acordo MEC - USAID, e verá mais claramente como a proposta de degradação da educação pública foi e ainda é objetivo do nosso Estado Neoliberal.Nossa luta deve ser de cunho socialista, comunista, que vise a democratização do conhecimento, que deve ser distribuído igualmente para todos. estude e verá que sua postura está equivocada e dualista. Não podemos fechar os olhos para o real motivo da existência de escolas privadas, que só tem alunos porque a educação pública é projetada para os ninguéns, os filhos de ninguém e os donos de nada.

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  6. Passei somente seis meses do ano letivo de 2009 no Mater Coeli e posso afirmar que é realmente uma pena a perda deste instituto de educação. Tive o privilégio de ter aulas com as professoras Glauce e Denize. Hoje, participo da parcela de estudantes que estão inseridos no modelo federal do ensino público, os antigos CEFET's, atuais IF's. Saímos de uma greve de quase três meses em função de alguns temas que deveriam ser revistos pelas autoridades políticas, enfim. Acredito que meu desejo maior de estar escrevendo aqui é decorrente da minha total desconcordância com a fala do Anônimo - figura tão repetitiva interpretada por aqueles que não pretendem assumir a responsabilidade de seus atos. Concordo entretanto que a educação de qualidade deveria SIM, ser um recurso que possibilitasse o acesso de todos; mas estamos cansados de saber que o sistema político regente tem bases no método capitalista, sendo assim o capital financeiro o alvo de qualquer instituição privada, seja em menor ou maior escala. Desejar um mundo socialista, perfeitamente igual e 'humano', parabéns, mais um que crê em uma utopia que foi claramente comprovada como impossível, tanto no período histórico da Revolução Russa quanto no posicionamento econômico de Cuba. Quanto afirmar a alienação dos servidores do Mater Coeli volto a achar que o Anônimo deveria rever seus conceitos. Acredito que como comentário conclusivo eu tenha que considerar um último aspecto que fui tomando noção após a entrada no IFF: em um país como o nosso, onde a educação pública é motivo de risada para aqueles que enchem o bolso com mentiras e grandes quantias de dinheiro, é querer DEMAIS que as coisas não tomem o rumo que estão tomando, total descaso com as redes públicas e estaduais, degradação das condições do ensino federal e cortes fulminantes na quantia de dinheiro direcionada para estas categorias. O capitalismo pode e tem sim sua carga de culpa neste processo de desvalorização do ensino "não pago" em detrimento daquele que gera lucro, mas em um país em que corrupção existe em todas as instâncias é óbvio que este destino é mais compulsivamente favorável. Antes de culpar uma categoria de ensino, se insira na realidade em que se encontra. (:

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  7. Glauce, minha querida Glauce....
    O tempo está passando mas a dor não some. Como é difícil tentar compreender tudo isso. A vida tem que continuar e os sonhos fazerem parte de nossas vidas novamente. Mas confesso, está MUITO difícil. Para nós, que participamos da construção deste sonho, fica a angústia, que não sai do meu coração,de não ter lutado como deveria, pela manutenção da escola. Lutamos tanto para que ela ficasse em pé e na hora que ela mais precisou da nossa força, fomos IMPEDIDOS de lutar. Tivemos apenas que nos conformar com os fatos. Me sinto envergonhada por ter passado por tudo isso. Sinto vergonha, quando as pessoas me perguntam como tudo isso aconteceu. Meu coração continua dilacerado, mas preciso continuar, pela educação, pelo que eu acredito, pelos alunos, pelos pais que confiaram no meu trabalho. Está difícil mas Deus é maior do que toda decepção que passamos. Vamos continuar construindo escolas, sonhos e acima de tudo, participar da formação de pessoas de bem, de caráter e com consciência do que é certo ou errado. E que Deus nos ajude nesta jornada!!!

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