Na Luta pela Escola Pública

Este blog pretende criar um espaço para informações e discussões sobre Escola Pública na Região dos Lagos, com destaque para o município de Cabo Frio.

O nome “Pó de Giz” é tomado, por empréstimo, do antigo time de futebol dos professores do Colégio Municipal Rui Barbosa. Um colégio reconhecido por sua luta pela educação pública de qualidade. Um lugar onde fervilha a discussão educacional, política e social. Colégio que contribui de maneira significativa na formação de seus alunos, lugar onde se trabalha com o sentido do coletivo.

O " Pó de Giz" é uma singela homenagem a essa escola que tem um "pequeno" espaço educacional, mas corajoso e enorme lugar de formação cidadã.


quarta-feira, 6 de julho de 2011

Cidadania em xeque

Se você é capaz de tremer de indignação a
cada vez que se comete uma injustiça
no mundo, então somos companheiros.
Ernesto Che Guevara

Várias vezes ouço a seguinte pergunta quando estou dando aula: “você está apaixonada?” A resposta é sempre a mesma: “eu sou apaixonada”. Sou uma mulher de muitas paixões, mas duas são especiais: a maternidade e o magistério. Eu não sou simplesmente Yonara, sou a mãe do Martim e a professora dos meus alunos.

Era daquelas que dizia que não queria ser professora; entrei na FFP-UERJ para fazer Letras, não para ser professora de Português e Literatura, mas no primeiro e no segundo semestres eu sabia que não havia jeito: nascia uma educadora. Não tinha como assistir às aulas de Maria Tereza e não querer mudar o mundo. Não tinha como assistir às aulas de Maria Alice e não me apaixonar por literatura.

O magistério é uma profissão muito difícil em um país que educar nunca foi prioridade. Sou há 13 anos professora do estado, onde vivemos uma educação de fachada. O governo criou um cenário para que a população acredite que aparelhos de ar-condicionado e computadores vão melhorar o contexto. Enquanto paga o aluguel do cenário, alunos sofrem com uma merenda sem qualidade e professores com salários ridículos. Outro dia, enquanto eu dava aula, parte da janela caiu na cabeça de uma aluna, levei a janela para fora, quando eu voltava, um aluno trazia a outra parte que acabara de cair. Por sorte, não houve feridos. Mas enquanto entrávamos e saíamos da sala ficamos trancados porque a porta só tem maçaneta de um lado. Quando isso acontece é preciso que alguém ouça que estamos trancados, pegue a maçaneta de outra porta e nos liberte.

O mais triste dessa situação é que muitos perderam a capacidade de indignar-se com o que acontece na educação do estado. É normal alunos saírem cedo da escola porque não há professores de algumas disciplinas É normal no refeitório ter ovo cozido na segunda, ovo frito na terça, ovo mexido na quarta, omelete na quinta... É normal o filtro do ar-condicionado estar sujo. É normal responsabilizar o professor se os alunos não têm bom desempenho nas provas nacionais. É normal professor ter 3, 4 ou 5 empregos para conseguir pagar suas contas. É normal que adoeçam pelo excesso de trabalho. É normal que milhares abandonem o magistério estadual todos os anos.

No início desse mês, em assembleia, muitos professores optaram pela greve como maneira de negociar com o governo do estado e gritar: NÃO É NORMAL!!! Quando conversei sobre esse assunto com a minha turma do 3º. ano, no C. E. Adino Xavier, meus alunos decidiram fazer uma passeata para mostrar à cidade por que os professores estão em greve. Assim o fizeram, tive o privilégio de estar com eles e – junto com o professor Fernando Cid – gritamos para que todos ouvissem as nossas indignações. Eu me enchi de orgulho quando percebi que os alunos não aceitam compactuar com o status quo.

Nestes anos de magistério, eu coordenei projetos direcionados à cidadania e ao voluntariado. Ganhei prêmios em nome da escola. No ano passado, uma equipe de pesquisadores do CNPq considerou estes projetos como exemplo de prática em educação moral no Brasil. É claro que os prêmios e o reconhecimento são importantes para mim, tanto em nível pessoal quanto profissional, no entanto nada se compara a ver meus alunos segurando faixas e exigindo para a educação um tratamento digno.

Quando retornamos à escola, os alunos perguntaram: “e agora, professora, nós vamos voltar amanhã à sala de aula e fingir que nada aconteceu?” A lição de cidadania havia sido dada pelos alunos. A partir daquele momento, eles não seriam mais os mesmos, tinham compreendido que a mudança começa dentro do indivíduo para que chegue ao coletivo.

As consequências do protesto, infelizmente, começaram dentro da própria escola; no dia seguinte, após conversar com os alunos e criticá-los pelo evento; a direção avisou que o colégio tinha sido denunciado ao MINISTÉRIO PÚBLICO. E repetiu o comunicado, no dia posterior, ao reunir os professores do 1º. turno. A seguir, eu soube que há uma denúncia contra mim na 74ª. DP.

É grave haver uma denúncia por eu ter participado da passeata com os alunos (não importa quem tenha feito a denúncia, a pessoa terá de responder um processo por calúnia e difamação, pois nada de ilegal ocorreu durante o protesto, visto que fomos acompanhados por duas viaturas da polícia), ainda considero irredimível o fato de criticar-se uma passeata em prol da educação. Nada pode ser mais democrático que a atitude espontânea dos alunos em exigirem seus direitos.

Não vale argumentar que muitos alunos são menores de idade, eles podem votar, mas não podem protestar? Também não é admissível dizer que havia crianças no protesto; as fotos, os bombeiros e os policiais são testemunhas que somente os alunos do ensino médio participaram da passeata.

Não fiquei calada diante das calúnias, a minha indignação ganhou texto, fiz questão de encaminhar o acontecido para as pessoas que conheço, para o sindicato, para alunos e ex-alunos, para professores. Estes reencaminham para seus conhecidos. Desde então venho recebendo manifestações de apoio de diversos segmentos da sociedade. Ou seja, ainda há quem se indigne.

O SEPE saiu em minha defesa e foi à escola cobrar uma postura da direção, ouviu que sou uma profissional respeitada e que o colégio não sabe sobre a denúncia.

Não aceito o papel de vítima ou de vilã nessa história, sou uma educadora apaixonada, não preciso dizer quem sou, meus alunos o fazem por mim. A revolução eu faço acontecer todos os dias na sala de aula. Só que, às vezes, a minha sala fica numa exposição de artes, num cinema, dentro de uma creche, e no dia 14 de junho, a lição aconteceu nas ruas da cidade.


Yonara Costa

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto e pela coragem de enfrentar os "coronéis" gonçalenses. Também sou fruto da FFP/UERJ (Biologia.)Seguimos firmes na luta!!!

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  2. Sou prof de um CIEP e alguns alunos de ensino médio fizeram protesto na calçada em frente à escola no início da greve. Também sofremos retaliações, inclusive da direção. Não devemos nos entregar e esmorecer!! Temos que usar as armas que temos a nosso favor e politizar nossos alunos no sentido de mostrar que QUALQUER PROFISSIONAL FELIZ TRABALHA MELHOR! Por que conosco seria diferente?

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